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sábado, 31 de maio de 2014

NÃO HÁ LIBERDADE SEM AUTENTICIDADE!!

Português do Brasil: A Roda das Emoções desenv...
Português do Brasil: A Roda das Emoções desenvolvida por Robert Plutchik usada para ilustrar diferentes emoções, propos pela primeira vez na forma de cone (3D) depois no modelo de roda (2D) em 1980 para descrever como as emoções estavam relacionadas. (Photo credit: Wikipedia)
 







O Infoanálise é um blog de emoções. Em cada publicação observámo-las em detalhe, porque precisamos de reaprender a usá-las ao serviço da nossa felicidade. A liberdade também passa por aí.


Mandaram-nos, mil vezes, guardar as lágrimas, esconder a raiva, ou mesmo disfarçar a alegria. Disseram-nos que a razão devia comandar a vida, porque estava mais do que visto que quem se deixava levar pelas emoções “acabava mal”. E nós esforçámo-nos, melhor ou pior, para fazer ouvidos moucos ao que sentíamos, espantando-nos depois quando uma tristeza inexplicável descia sobre nós, o corpo pura e simplesmente recusava-se a sair da cama, ou a cabeça explodia numa enxaqueca, de que não entendíamos a razão.

Quando os detetives do nosso cérebro, munidos agora da possibilidade de o fotografar em flagrante, vieram dizer que não havia razão sem emoção, abrimos a boca de espanto. Afinal, sem emoções não conseguimos sequer decidir que cereais comer ao pequeno-almoço!

Mas de tal forma nos habituámos a desconsiderá-las, que precisamos de (re)aprender a olhá-las com olhos de ver e, com a ajuda da ciência e da sabedoria, a perceber como podemos usá-las a favor da nossa felicidade. É o que, a partir de hoje, vamos fazer todos os meses, começando por esta conversa com Eduardo Sá, psicólogo clínico, psicanalista e professor de Psicologia Clínica na Universidade de Coimbra e no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, em Lisboa.



“SE FOMOS EDUCADOS PARA NOS TORNARMOS INDIFERENTES ÀS EMOÇÕES SIGNIFICA QUE FOMOS EDUCADOS PARA SERMOS ESTÚPIDOSExplica-nos o que são as emoções?
De forma certinha e didática?


Sim, de forma certinha e didática...
Então vou tentar. Uma emoção é uma reação psicofisiológica. Isto quer dizer que as emoções funcionam como uma espécie de sistema imunitário que nos permite reagir, em tempo real, interpretando todos os dados da realidade de uma forma muito mais fulgurante do que se puxássemos pela cabeça. Obrigam-nos a pensar mesmo sem querermos.


Protegem-nos antes de termos sequer percebido o que está para acontecer?
Exatamente. Em termos práticos, as emoções servem para nos proteger. Primeiro pomo-nos a salvo, depois fazemos perguntas...


Mas podem enganar-nos? Por exemplo, levar-nos a julgar alguém à primeira vista, imaginando que é pior ou melhor do que é?
Por vezes levam-nos ao engano, mas o que lhes importa é deixarem-nos alerta. Depois, se for preciso, emendamos a mão...


É melhor fugirmos porque imaginamos que ouvimos o rugir de um leão, e afinal não ser nada, do que acabar engolidos?
É isso mesmo. E já que fala de animais, é importante perceber que todos os animais têm emoções, todos, mas mesmo todos. Os macacos são capazes de estar deprimidos e os tigres com um humor assim-assim...


Todos têm o mesmo conjunto de emoções básicas? Quais são?
Os autores divergem, mas vamos ficar-nos pelas nove e meia. A raiva, o nojo, a alegria, o medo, a tristeza, a surpresa, o embaraço, a vergonha e o desprezo, são essas as nove. À raiva contida podemos chamar ódio. É essa a nona e meia... É a emoção que resulta de guardar, guardar a ira, até que ela fica estampadinha no nosso rosto, numa de “se não fosse por nada, esganava-te”.


Parecem todas muito negativas...
Não são nem boas, nem más, são todas fundamentais. Por exemplo, a ira. A ira dá um jeitaço... É o melhor ansiolítico do mundo. Muita gente tornou-se herói à custa da ira que levou um empurrãozinho do medo... As emoções só são negativas quando se guardam. Sempre que se comunicam são... fixes. A alegria ou a surpresa, por exemplo, podem ser más. Basta que fiquem só para nós... O que importa é que todas elas nos tornam mais espertos.


Mais espertos?
Sim, desde que as escutemos. Mas fomos ensinados a reprimi-las. A nossa educação, muito judaico-cristã e positivista, ensinou-nos a ser burros diante das emoções, o que é a coisa mais pateta do mundo. Quando, por exemplo, perante uma pessoa que nos provoca uma ira que não compreendemos, ou nos contagia com uma tristeza que não entendemos, não fazemos nada, estamos a ser estúpidos. Porque as emoções estão a tirar as medidas àquela pessoa – nós estamos sempre a tirar as medidas às pessoas com quem interagimos. Se soubermos ler o que elas nos dizem, ficamos mais espertos.


Falamos muito de emoções, mas na prática não lhes passamos cartão, pois não?
É verdade que tentamos exercer repressão ou censura a tudo o que elas recomendam, mas não temos sorte nenhuma, porque as emoções empurram-nos para sermos verdadeiros. São independentes da vontade e vão ao encontro de tudo o que sentimos. São as melhores amigas da verdade. Não há como sermos honestos, fintando, ao mesmo tempo, as emoções.
EDUARDO SÁ
Psicólogo clínico, psicanalista e professor de Psicologia Clínica na Universidade de Coimbra e no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, em Lisboa.


Isto quer dizer que só temos de “agir em conformidade”?
Agir em conformidade não é deixar que as emoções ajam por nós. Aliás, nem isso seria possível. Agir em conformidade é assumirmos: “Estou a sentir nojo.” E, a seguir, perguntar: “O que é que me enoja nesta pessoa: Será alguma coisa dela ou algum aspeto desta pessoa que me faz lembrar um episódio, um enredo ou alguém que me desperta, ainda hoje, repugnância?”


E depois?
Depois de pormos questões ao que sentimos, é altura de tirarmos consequências disso: ou nos afastamos dessa pessoa (mal seria que a boa educação fosse uma forma de, com falsidade, nos deixarmos magoar para salvaguardarmos as aparências) ou nos aproximamos (e falamos do que sentimos e, até, tentamos explicá-lo). Quando censuramos as emoções, afastamo-nos de nós.


Mas se as emoções nos condicionam tanto temos, de facto, liberdade de escolha?
A liberdade existe. Mas se não escolhemos chegar mais perto de alguém, a liberdade é um slogan demagógico. Ninguém é livre à margem daquilo que sente.

Não faz sentido, então, a ideia de que a minha liberdade termina onde começa a do outro. Como se a liberdade fosse uma coisa individualista, fechada sobre si mesma...
É uma ideia tola porque pressupõe que as minhas emoções me impedem de sentir, de conhecer e de aprender com o outro. Quando as minhas emoções são transmitidas e o outro, em reciprocidade, me transmite as dele, então a minha liberdade começa onde começa a do outro. Porque quando se casam emoções, elas geram a comunhão. E é a comunhão que nos faz sentir livres: livres de sentir com transparência o que quer que seja diante do outro. Não há liberdade sem autenticidade. Portanto, muito do que ouvimos sobre liberdade é slogan. Mas não é liberdade.

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